Há dias tive uma conversa muito interessante com uma grande
amiga minha. Ela estava a contar-me que tinha estado a ler um artigo
sobre perturbações alimentares e que ficou um bocado intrigada,
porque... hum, como é que ela havia de dizer aquilo... porque tinha-me
encaixado em muitas das caraterísticas e critérios que falavam no
artigo. Eu achei piada.
Achei piada, por duas razões.
1)
Nas minhas piores alturas em relação a problemas alimentares nós já
eramos amigas e lembro-me de conversarmos, por vezes, sobre o assunto. E
lembro-me que sim, naquela altura, eu preenchia muitos dos critérios,
provavelmente todos, para uma perturbação do comportamento alimentar -
anorexia. Mas ela nunca, nunca, nunca me disse nada, nunca me questionou
e até me defendia de comentários de outras pessoas. Ela sempre achou
que se eu me sentia bem, tudo estava bem. Claro que eu estava bem,
estava a emagrecer cada dia mais e mais e mais... Sem me aperceber do
que estava a fazer ao meu corpo. É engraçado que ela nessa altura nunca
tenha reparado. Lembro-me de ter emagrecido imenso, de ser super
restritiva e seletiva na minha alimentação (que se baseava em sopa,
fruta e bolachas de àgua e sal, em poucas quantidades), de praticas
exercício físico diariamente ou até duas vezes ao dia, de tomar
laxantes, de tentar provocar o vómito, de saltar refeições, enfim...
Mas, para mim, naquela altura, foi mesmo muito importante que ela não me
apontasse o dedo. Talvez o melhor tenha sido mesmo ela não saber, não
desconfiar, e dessa forma ela apoiou-me.
2) A segunda
razão pela qual achei piada ela ter-me encaixado em alguns dos critérios
é que eu atualmente acho que não me encaixo em muitos deles! Ahahaha!
Acho que o que tenho agora é uma ligeira obsessão pela alimentação
saudável e pela boa forma física, mas não uma perturbação alimentar.
Depois da possível "anorexia", passei para um período de "bulímia", com
episódios de ingestão compulsiva várias vezes por semana, às vezes, mais
do que uma vez por dia. A isso juntavam-se os comportamentos
purgatórios, a baixa autoestima, tristeza, frustração... Nesse período,
ganhei todo o peso que tinha perdido e até mais. Não conseguia acreditar
nem aceitar, aquele não era o meu corpo. Continuo a achar que este não é
o meu corpo. O meu peso normal sempre foi de 64kg (+/-), depois baixei
até aos 57/58 e voltei a subir para os 71kg (o meu peso máximo).
Atualmente, devo ter 69kg. Este não é o meu corpo, mas consigo
aceitá-lo. Atualmente, já mudei muitos comportamentos que tinha dantes:
tenho uma alimentação mais variada e equilibrada (mas reconheço que
continuo um pouco obcecada por calorias, gorduras, etc; mas estou a
melhorar), não tomo laxantes (às vezes, ainda tomo chá de sene, quando
como mais, para ajudar a regular os meus intestinos, porque fico mesmo,
mesmo inchada) e não forço o vómito, os meus episódios de ingestão
compulsiva diminuiram bastante tanto em frequência como na quantidade de
comida ingerida nesses momentos (continuo a ter alguns, mas mesmo
psicológicamente consigo geri-los muito melhor). A minha autoestima está
melhor, a minha visão do corpo também acho que sim, apesar de não estar
satisfeita com ele... Mudei tudo isto... E a minha amiga, agora, agora
que eu já melhorei tanto, foi ler aquele artigo e achar que eu me
enquadro na maioria das caraterísticas.
Ela não me
julgou nem nada. É uma grande amiga e eu percebo que ela tenha
encontrado algumas caraterísticas das pessoas com perturbações do
comportamento alimentar que se apliquem a mim, é normal. Ela ficou
espantada por saber que eu teria passado por tudo aquilo que as pessoas
com PCA passam, porque é de facto um processo complicado que tem
influências em muitas àreas. Também ficou um bocado triste por achar que
não me apoiou como devia (apesar de eu achar que o fez da melhor
maneira possível).
Sinceramente, nunca nenhum psicólogo
ou psiquiatra me disse de caras que tinha o diagnóstico "x" ou "y".
Mas, eu estou a estudar psicologia e tive uma cadeira só sobre estas
perturbações. Na altura comecei a desconfiar que algo se passava, mas
sentia-me bem, por isso ignorei. Olhando para trás, sim, acho que tive
uma PCA e que ainda estou a recuperar. Mas não acho que o diagnóstico
seja o mais importante. Para o diagnóstico são necessários vários
critérios, mas a pessoas pode só ter um deles e sentir-se profundamente
mal psicologicamente e isso é o suficiente para que seja apoiada e que
haja uma intervenção psicológica se ela assim o necessitar. O importante
é ajudar a pessoa a sair desse cíclo, seja de anorexia, bulimia ou uma
PCA não especificada que não preenche os critérios das anteriores.
Acabou por ser um desabafo demasiado grande, desculpem. Tinha de falar.
:)
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